Em diversos organismos (não apenas serpentes), a locomoção dependerá de características morfológicas (em particular o tamanho) e do ambiente que esse organismo habita. Dito isso, embora seja possível estabelecer certas associações entre a morfologia e o hábito (fossorial, terrestre ou arborícola) de uma determinada espécie de serpente, é importante lembrar que existem exceções. Por exemplo, é comum encontrar espécies tipicamente arborícolas, como aquelas do gênero Chironius forrageando no chão e espécies cuja morfologia é aparentemente voltada ao ambiente terrestre, utilizando o estrato arbóreo, como no caso da jibóia, Boa constrictor.
O primeiro aspeco básico a sobre a locomoção sem membros (o que é o caso de todas as serpentes e muitos outros vertebrados, incluindo várias espécies de lagartos) é que, para qualquer organismo, implica no aumento do número de vertebras. Por sua vez, o número de vértebras pode variar de acordo com o tamanho da serpente (quanto maior a serpente, maior o número de vértebras). No entanto, alguns estudos demonstraram que número de vértebras também podem estar relacionado ao uso de microhabitat (ex. espécies fossoriais podem apresentar menos vértebras do que as não fossoriais) e aspectos comportamentais (ex. espécies constritoras podem apresentar mais vértebras do que não constritoras).
Seja qual for o motivo que tiver levado a esse grande número de vértebras, a questão é que, em serpentes cada uma dessas vértebras está ligada a um par bem desenvolvido de costelas ao longo de todo o corpo com exceção da cauda. Além de protegerem os órgãos vitais, elas dão suporte a um emaranhado de músculos e tendões. A organização desses feixes musculares (o que varia de espécie para espécie) resulta em variações em termos de flexibilidade, propulsão e capacidade de constrição.
Meio aquático
Embora o ancestral de todos os répteis (incluindo os aquáticos) tenha sido terrestre, todos eles estão aptos a nadar relativamente bem. Diferentemente dos mamíferos, serpentes e outros répteis aderem à ondulação lateral e não vertical. As ondas de propulsão geradas por diferentes segmentos do corpo são acumuladas até chegar à ponta da cauda e a energia produzida impulsiona a serpente para frente.
No entanto, as forças geradas pela serpentes não são as únicas que devem ser levadas em consideração durante o ato de locomoção da serpente. Existem forças de resistência e inércia que atuam respectivamente contra e a favor a essa movimentação. Entre algumas dessas forças podemos citar, a gravidade (o que está diretamente relacionada à massa da serpente), a propriedades físico-químicas da água (ex. viscosidade) e às próprias características da morfologia (ex. formato da cauda) e tegumento da serpente.
Meio terrestre
A locomoção em ambiente terrestre é particularmente interessante pois pode se dar através de diferentes “modos”. A ondulação lateral é provavelmente o modo de locomoção mais comum. Neste caso, o corpo da serpente é impulsionado para frente por forças regidas pela musculatura lateral do corpo. A movimentação segue um padrão sinusoidal, ou seja, “ondas” uniformes que se iniciam na cabeça e percorrem todo o corpo da serpente em velocidade constante. Serpentes que se movem através de ondulação lateral são extremamente rápidas e podem atingir entre 6 e 11 Km/h.
A locomoção retilínea é típica de espécies terrestres e mais pesadas como jibóias e pítons e muitos viperídeos (ex. jararacas, cascavéis), o que talvez esteja relacionado à própria robustez dessas espécies, que impediria uma ondulação lateral eficiente. Nesse modo, a serpente se move como se fosse uma lagarta, onde contrações de diferentes seções musculares da região do ventre impulsionam a serpente para frente e fazem literalmente com que “ande” com a barriga. Este é modo é obviamente mais lento do que o anterior (provavelmente o mais vagagoroso de todos).
A lomoção em sanfona (concertina locomotion) é particularmente utilizada por espécies fossoriais (ex. gêneros Leptotyphlops, Trilepida) e consiste na expansão lateral de “alças do corpo” cujos pontos de contato com o substrato (seja o solo, rochas ou qualquer outro) empurram a serpente para a frente e puxam as porções anteriores repetidas vezes. Embora implique em maior velocidade do que a locomoção retilínea, ainda assim a movimentação é mais lenta do que na ondulação lateral.
Por fim, a locomoção do tipo sidewinding é extremamente rara e ocorre em apenas algumas poucas espécies de serpentes, como a cascaval Crotalus cerastes, que habita regiões desérticas nos Estados Unidos e México. Este modo consiste em uma movimentação complexa em que a serpente mantem a cabeça erguida e mantém a cauda em contato com o chão. As regiões do meio do corpo se alternam em termos de contato com o substrato (enquanto uma dobra do corpo toca o substrato e outra se mantém erguida/aérea). Algumas hipóteses apontam para que esse tipo locomoção vise conservar energia e evitar o contato com um substrato muito quente, como as areias do deserto. Movendo-se desse modo a serpente pode alcançar até 3,7 Km/h.
Em resumo: nessa aula vimos quais os meios de locomoção utilizados por serpentes tanto em meio aquático quanto terrestre. Vimos também que, em meio terrestre, existem diferentes modos de locomoção, entre eles a ondulação lateral, o mais comum e veloz, a locomoção retilínea, utilizada principalmente por serpentes terrestres, pesadas e lentas, a locomoção em sanfona, utilizada principalmente por espécies fossoriais e a rara sidewinding que evita o sobre aquecimento e ajuda a conservar energia.
Revisão do texto por
M.Sc Arthur Diesel Abegg. E-mail: arthur_abegg@hotmail.com. CL
Projeto Dacnis, Ubatuba, SP, Brazil.
Referências
Greene HW. 1997. Snakes: the evolution of mystery in nature. University of California Press. [Link]
Lillywhite HB. 2014. How snakes work: structure, function and behavior of the world’s snakes. Oxford University Press. [Link]