Enyalius iheringii

Texto e imagem por Bruno F. Fiorillo

O lagarto Enyalius iheringii, que lembra vagamente um “pequeno camaleão” (na verdade os verdadeiros camaleões não são encontrados no continente Americano, apenas na África e Ásia), ocorre apenas na região sudeste da Mata Atlântica, assim como algumas das outras espécies do gênero.

Esta espécie em particular é semi-arborícola, mas raramente desce ao chão, sendo frequentemente associada ao estrato arbóreo/arbustivo. A distribuição de E. iheringii se sobrepõe à de outra espécie do mesmo gênero (E. perditus), que é superficialmente similar. Ambas as espécies pertencem a um grupo específico, que é considerado mais adaptado aos climas mais frios do Sul/Sudeste do Brasil. Este grupo supostamente divergiu do grupo de espécies distribuídas ao longo da região nordeste da Mata Atlântica durante o Oligoceno (há cerca de 25 milhões de anos).

A espécie adota uma estratégia de forrageio do tipo “senta-e-espera”, o que quer dizer que ela despende pouca energia em busca de alimento, permanecendo imóvel boa parte do tempo até que presas cruzem seu caminho. Alguns estudos indicam que a dieta do gênero Enyalius é baseada em quatro diferentes ordens de invertebrados, Hymenoptera (e.g. formigas e abelhas), Isoptera (e.g. cupins), Isopoda (e.g. Armadillidium vulgare) e Orthoptera (ex. grilos e gafanhotos). No entanto, um estudo realizado na região Sul do Brasil sugere que, ao menos para esta população, a dieta da espécie é baseada em grandes proporções de besouros (ordem Coleoptera) e larvas de lepidópteros (ordem das borboletas e mariposas).

Machos e fêmeas diferem quanto à coloração, os primeiros são mais uniformes e quase completamente verdes, enquanto as fêmeas tendem a ser mais variáveis e a apresentar manchas escuras e marrons (o indivíduo na foto é uma fêmea). A maturidade sexual supostamente é atingida após os indivíduos ultrapassarem 60 mm de comprimento (do rostro à cloaca) e, em média, fêmeas adultas são maiores que os machos do mesmo estágio de vida. As fêmeas podem depositar até 18 ovos e um relato de incubação em cativeiro revelou que a eclosão pode levar de 143 a 148 dias. No entanto, pouco é conhecido a respeito de sua atividade reprodutiva. Alguns estudos sugerem que a reprodução da espécie ocorra de forma sazonal, isto é, concentra-se em uma determinada época do ano (geralmente o verão).

Como defesa, o camaleãozinho recorre principalmente à camuflagem, se mantendo completamente imóvel, mesmo com a aproximação de possíveis ameaças. Isto provavelmente é eficaz em boa parte dos casos de ameaça, já que, graças à sua coloração, o lagarto passa facilmente desapercebido em meio à vegetação densa da Mata Atlântica. No entanto, quando descobertos, alguns indivíduos podem saltar subitamente em direção a outro galho/arbusto ou mesmo sobre a serapilheira e sair correndo rapidamente.  

Enyalius iheringii, assim como a maioria dos répteis, é raro na RPPN e sua coloração críptica dificulta ainda mais sua observação na natureza. No entanto, se você for atento o bastante, pode encontrá-lo empoleirado em ramos, folhas, arbustos ou mesmo no tronco das árvores. Durante a noite é mais fácil se aproximar pois sua atividade é restrita ao dia, e sendo assim, é pouco provável que se mova – a menos que seja tocado.

Glossário

  1. Forrageio: ato de se movimentar dentro do próprio hábitat, em procura de alimento.
  2. Oligoceno: Época que ocorreu entre 36 e 23 milhões de anos atrás.

Revisão do texto por

B.Sc. Arthur Diesel Abegg. E-mail: arthur_abegg@hotmail.com CL
Instituto Butantan, Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, São Paulo, SP, Brazil.

Referências

Bérnils RS (2003): Répteis da Floresta Atlântica. In: Fernandes CR (Ed.). Floresta Atlântica. Reserva da Biosfera, Curitiba. p.150−173.

Borges VS, Pires RC, Linares AM, Eterovick PC (2013): Diet of Enyalius bilineatus (Leiosauridae: Squamata) at a site in southeastern Brazil: effects of phylogeny and prey availability. Journal of Natural History 47: 2785−2794. [Link]

Etheridge R (1969): A review of the iguanid lizard genus Enyalius. Bulletin of British Museum of Zoology 18: 231−260. [Link]

Jackson JF (1978): Differentiation in the genera Enyalius and Strobilurus (Iguanidae): implications for Pleistocene climatic changes in eastern Brazil. Arquivos de Zoologia 30: 1−79. [Link]

Marques OAV, Sazima I (2004): História natural dos répteis da Estação Ecológica Juréia-Itatins. In: Marques OAV, Duleba W (Eds.). História natural da Estação Ecológica Juréia-Itatins. Holos, Ribeirão Preto, p.257−277. [Link]

Migliore SN, Braz HB, Almeida-Santos SM (2014): Reproductive aspects of two Enyalius lizards from the Atlantic forest in Southeastern Brazil. Herpetology Notes 7: 273−276. [Link]

Rautenberg R, Laps RR (2010): Natural history of the lizard Enyalius iheringii (Squamata, Leiosauridae) in southern Brazilian Atlantic forest. Iheringia 100: 287−290. [Link]

Rodrigues MT, Bertolotto CEV, Amaro RC, Yonenaga-Yassuda Y, Freire EMX, Pellegrino KCM (2014): Molecular phylogeny, species limits, and biogeography of the Brazilian endemic lizard genus Enyalius (Squamata: Leiosauridae): An example of the historical relationship between Atlantic Forests and Amazonia. Molecular Phylogenetics and Evolution 81: 137–146. [Link]

Sousa BM, Cruz CAG (2008): Hábitos alimentares de Enyalius perditus (Squamata, Leiosauridae) no Parque Estadual do Ibitipoca, Minas Gerais, Brasil. Iheringia 98: 260−265. [Link]

Teixeira RL, Roldi K, Vrcibradic D. (2005): Ecological comparisons between the sympatric lizards Enyalius bilineatus and Enyalius brasiliensis (Iguanidae, Leiosaurinae) from an Atlantic Rain-Forest area in southeastern Brazil. Journal of Herpetology 39(3):504−509. [Link]

Tozetti AM, Sawaya RJ Molina FB, Bérnils RS; Barbo FE, Leite JC de M, Borges-Martins M, Recoder R, Teixeira-Junior M, Argôlo AJS, Morato SAA, Rodrigues MT (2017): Répteis. In: Monteiro-Filho EL de A, Conte CE (Orgs.). Revisões em Zoologia: Mata Atlântica. Editora UFPR, Curitiba. p. 315−364. [Link]

Van Sluys M, Ferreira VM, Rocha CFD (2004): Natural history of the lizard Enyalius brasiliensis (Lesson, 1828) (Leiosauridae) from an Atlantic Forest of southeastern Brazil. Brazilian Journal of Biology 64: 353−356. [Link]

Vitt LJ, Ávila-Pires TCS, Zani PA (1996): Observations on the ecology of the rare Amazonian lizard, Enyalius leechii (Polychrotidae). Herpetological Natural History 4: 77−82. [Link]

Zamprogno C, Zamprogno MGF, Teixeira RL (2001): Evidence of terrestrial feeding in the arboreal lizard Enyalius bilineatus (Sauria, Polychrotidae) of southeastern Brazil. Revista Brasileira de Biologia 61: 91−94. [Link]