Texto e imagem por Bruno F. Fiorillo

A jararaca, Bothrops pauloensis, é uma especialista em ambientes típicos do Cerrado. Embora esteja amplamente distribuída e seja comumente observada, pode ser profundamente afetada pela supressão das paisagens naturais abertas do bioma.

A Herp Trips dá seu ponta pé inicial na ciência através do artigo “Composição e história natural de uma comunidade de serpentes do sul do Cerrado, sudeste do Brasil”, publicado na revista científica Zookeys. O trabalho foi redigido pelo fundador e pesquisador Bruno F. Fiorillo e colaboradores. Esta é a quarta publicação gerada durante o projeto “Estrutura de taxocenoses de anfíbios, répteis e pequenos mamíferos no Cerrado: o papel de fatores locais e regionais” (veja outros trabalhos publicados durante o projeto aqui), que teve duração de dois anos, com visitas mensais de 10 dias que ocorreram entre 2016 e 2018. O projeto foi coordenado pelo professor Marcio Martins da Universidade de São Paulo, contou com a participação de diversos pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação, e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Entender a história natural das espécies (o que os organismos fazem, onde fazem e quando fazem em seus respectivos ambientes) é fundamental para que possamos compreender o funcionamento dos ecossistemas e atuar em prol da conservação das espécies. Neste estudo são apresentadas informações primárias (coletadas diretamente em campo ou em laboratório) e secundárias (resgatadas da literatura) sobre 33 espécies de serpentes encontradas na Estação Ecológica de Santa Bárbara (Águas de Santa Bárbara, SP, região Sudeste do Brasil), além de pranchas ilustrativas com fotos de cada uma e chave de identificação taxonômica. Entre os tópicos abordados para cada espécie estão: tipo de dentição (se áglifa, opistóglifa, proteróglifa ou solenóglifa), hábitat (tipo de vegetação em que a espécie foi encontrada), microhábitat (se arborícola, aquática, criptozóica, fossorial ou terrestre), atividade diária (se diurna ou noturna), dieta, reprodução e comportamentos defensivos.

Por meio deste estudo, os autores concluíram que a Estação Ecológica de Santa Bárbara concentra, em uma área relativamente pequena (31,5 km2) uma grande riqueza de espécies e uma composição representativa da fauna de serpentes da porção sul do Cerrado. A lista inclui ainda diversas espécies endêmicas (que ocorrem apenas no bioma) e localmente ameaçadas de extinção (ex. Bothrops itapetiningae, Oxyrhopus rhombifer), justamente devido à perda de seu hábitat (paisagens campestres). Os autores destacam que a estação contém um dos últimos fragmentos remanescentes de Cerrado no estado de São Paulo, representando assim um elemento muito importante entre as áreas protegidas brasileiras. Vale ressaltar que, durante este mesmo projeto de pesquisa, foi revelado que outros grupos de vertebrados (anfíbios, lagartos e pequenos e grandes mamíferos) também apresentam grande diversidade na área, bem como diversas espécies endêmicas e localmente ameaçadas.

Glossário

  1. Chave de identificação taxonômica ou dicotômica: chave organizada hierarquicamente de forma a agrupar espécies morfologicamente semelhantes, com o objetivo de permitir a identificação das espécies.
  2. Criptozóico: que vive em meio à serapilheira, as folhas e galhos mortos caídos sobre o chão.
  3. Fossorial: que apresenta um modo de vida subterrâneo.
  4. Tipos de dentição de serpentes:
    1. Áglifa: dentição típica da maioria das serpentes não peçonhentas. De forma geral, todos os dentes apresentam mesmo formato e tamanho. Ex.: Atractus pantostictus, Boa constrictor.
    1. Opistóglifa: algumas serpentes “não peçonhentas” apresentam dentes mais alongados, com sulcos, no fundo da boca. Ex.: Erythrolamprus aesculapii, Philodryas olfersii.
    1. Proteróglifa: par de presas maiores e fixas, com canal interno,  localizados na região anterior da boca, por onde a serpente inocula veneno. Está presente em espécies da família Elapidae (corais verdadeiras como aquelas do gênero Micrurus).
    1. Solenóglifa: par de presas maiores e móveis, com canal interno,  localizadas na região anterior da boca, por onde a serpente inocula veneno. Está presente em serpentes da família Viperidae como as jararacas e cascavéis.

Revisão do texto por:

Prof. Dr. Marcio Martins. E-mail: martinsmrc@usp.br CL
Instituto de Biociências, Departamento de Ecologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil.

Referência

Fiorillo BF, Maciel JH, Martins M (2021): Composition and natural history of a snake community from the southern Cerrado, southeastern Brazil. Zookeys 1056: 95–147. [Link]