Texto e imagens por Bruno F. Fiorillo

RESUMO

A Mata Atlântica é um dos biomas mais biodiversos e ameaçados do mundo. Portanto, a implementação e manutenção de áreas protegidas neste domínio é evidentemente necessária. Índices de Integridade Biótica têm se apresentado como importantes ferramentas para a análise do status de ecossistemas terrestres, no entanto, informações sobre a relação entre estes índices (quando aplicados sobre a vegetação) e a diversidade animal são escassas. O presente estudo visa testar a correlação entre um Índice de Integridade Biótica (IIB) da vegetação previamente mensurado na Reserva Particular do Patrimônio Natural Trápaga e a diversidade de diversos elementos da fauna local.

A partir da coleta de dados executada para atender o objetivo proposto, espera-se ainda contribuir com (1) o fornecimento de informações básicas sobre a história natural da comunidade dos grupos de vertebrados e artrópodes citados e (2) a produção de material de divulgação científica e conservação das espécies. A amostragem será realizada integral e continuamente na área de estudo, ao longo da estação chuvosa (outubro/2021 a março/2022) por meio de armadilhas de interceptação e queda e procura visual/auditiva.

INTRODUÇÃO

A Mata Atlântica é uma floresta tropical que abriga grande parte da biodiversidade brasileira ao mesmo tempo que sofre intensa devastação (Ribeiro et al., 2009). No Brasil, sua biodiversidade é menor apenas que a da Floresta Amazônica cuja área é três vezes maior (Capobianco, 2002). Além da grande diversidade, a Mata Atlântica apresenta altos níveis de endemismo e compreende no total cerca de 8.000 espécies de plantas vasculares, 200 espécies de aves, 472 de anfíbios, mais de 200 répteis e 90 mamíferos (Goerck 1999; Paglia 2012; Haddad et al., 2013; Nogueira et al., 2019). Além disso, seu alto nível de degradação qualifica-a como um hotspot de biodiversidade, sendo o quinto mais ameaçado do mundo (Myers et al., 2000).

Tendo em vista o nível de diversidade e o grau de ameaça da Mata Atlântica, a importância do estabelecimento de áreas protegidas torna-se evidente. Para que o manejo destas áreas seja realizado de maneira adequada, é necessário ter conhecimento de sua integridade biótica, ou seja, seu grau de conservação baseado em parâmetros como: taxa de perda de espécies nativas, presença de herbívoros e predadores executando seus respectivos papéis, taxas de produtividade e decomposição, entre outros (Hockings et al., 2000).

Para mensurar a integridade biótica, alguns índices têm sido propostos e vêm constituindo importantes ferramentas durante a análise do status de um dado ecossistema terrestre (Siche et al., 2007; Castello et al., 2017). Por exemplo, a comunidade vegetal tende a responder às variações ambientais (devido à baixa tolerância a degradação de seu ambiente) (Boscolo et al., 2017) e a comunidade animal pode responder a modificações na vegetação de diversas maneiras (ex. Holland & Bennet, 2007; Maure et al., 2018; Blanco-Torres et al., 2020). Embora alguns estudos tenham baseado suas medidas de integridade biótica diretamente em indicadores da comunidade animal (ex. aves, peixes; Araújo, 1998; Fisch et al., 2016ab), informações sobre a relação entre estes índices, quando aplicados sobre a vegetação, e a diversidade animal, ainda são escassas.

A diversidade de espécies é o resultado da interação de duas forças: processos ecológicos (ex. interações entre espécies e fatores abióticos) e biogeográficos (dispersão, especiação e extinção, Ricklefs & Schluter, 1993). Além disso, a história evolutiva das espécies integra ecologia, biogeografia e uso de recursos, ao longo do tempo e do espaço (Cadle & Greene, 1993; Pillar & Duarte, 2010). Juntos, todos esses fatores determinam a composição do pool regional e agrupamentos locais de espécies ao longo do espaço geográfico e também ao longo do tempo (Brooker et al., 2009; Pillar & Duarte, 2010). Alguns estudos têm explorado os fatores determinantes da composição e riqueza de espécies da herpetofauna em diferentes contextos, desde a influência de aspectos naturais da paisagem até a fragmentação do hábitat e urbanização (ex. Cadle & Greene, 1993; Pillsbury & Miller, 2008; Cavalheri et al., 2015; Dória et al., 2018; Moura et al., 2017; Fiorillo, 2020). Mesmo que indiretamente, todos estes trabalhos apresentam alguma aplicabilidade para fins de conservação, uma vez que fornecem subsídios para o manejo de determinadas áreas, bem como suas espécies e respectivas populações.

Entre os membros da herpetofauna, as ordens Anura e Squamata são as mais diversas entre os anfíbios e répteis respectivamente (Frost, 2021; Uetz et al., 2021). Suas espécies representam importantes elementos em qualquer comunidade ecológica, pois a diversidade funcional destes grupos contribui para a estabilidade dos ecossistemas (Duellman & Trueb, 1986; Greene, 1997; Pianka & Vitt, 2003; Wells, 2007; Blaustein et al., 2011). Os anfíbios desempenham papéis importantes, tanto como predadores quanto como presas em cadeias alimentares aquáticas e terrestres, além de influenciarem química e fisicamente os habitats onde vivem (Duellman & Trueb, 1986; Wells, 2007; Blaustein et al., 2011). Lagartos desempenham diversas funções na natureza, tais como o consumo de um grande número de insetos (que por sua vez consomem nutrientes e energia armazenados pelas plantas; Pianka & Vitt, 2003), dispersão de sementes e polinização (Olesen & Valido, 2004;; Pietczak & Vieira 2017). Serpentes estão presentes em todos os maiores ecossistemas fora do círculo polar, sendo um dos predadores mais comuns entre os vertebrados e podendo incluir em sua dieta desde invertebrados (como lesmas e centopeias) até grandes vertebrados (como antílopes) (Shine, 1991; Greene, 1997; Lillywhite, 2014), fazendo do grupo um importante elemento trófico.

Da mesma forma que os grupos anteriormente mencionados, os pequenos mamíferos não voadores (roedores e marsupiais) são aqueles que apresentam a maior riqueza de espécies em sua classe, na América do Sul e o menor grau de conhecimento relativo à sua história natural (Patton et al., 2015). Tem sido comprovado que estes grupo de vertebrados desempenham papéis impactantes em seus respectivos ecossistemas (ex. Curtin et al., 1999). Além disso, o grupo também pode ser fortemente afetado pela variação da paisagem, particularmente quando tal variação envolve a vegetação. Um estudo que está sendo desenvolvido a partir de dados coletados na Estação Ecológica de Santa Bárbara (uma área de Cerrado localizada no sudeste do Brasil), aponta que o gradiente vegetal de paisagens típicas do bioma afeta fortemente a diversidade e composição da comunidade local de pequenos mamíferos não voadores (Ana Paula Carmignotto, comunicação pessoal). Não obstante, na Mata Atlântica, Umetsu & Pardini (2006) encontraram que tanto a fragmentação do hábitat quanto a introdução de paisagens antropogênicas afetam negativamente a diversidade de espécies endêmicas e especialistas e favorece invasoras e generalistas.

Adicionalmente, torna-se crucial destacar a importância de inventariar os artrópodes na área de estudo, visto que fragmentos de Mata Atlântica são refúgio para várias espécies e comportam elevados índices de riqueza e abundância ecológica quando comparado a outras fitofisionomias (Hoffmeister & Ferrari., 2016). Dentre as espécies de artrópodes, os insetos recebem maior destaque, já que são basais na cadeia trófica, detêm um íntimo papel ecológico na transformação da matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, permeabilização e aeração do solo (Triplehorn & Johnson., 2015). Contribuem, portanto, para a dinamicidade do fluxo de energia em ecossistemas terrícolas e aquáticos (Adair et al., 2009; Cheli et al., 2010). Assim, a mensuração da comunidade desses invertebrados permite avaliar níveis de qualidade ambiental na área de estudo, identificar possíveis áreas de amortecimento natural de insetos vetores de doenças sanitárias e auxiliar no processo de identificação de oferta alimentar na dieta de grande parte dos vertebrados insetívoros e/ou onívoros presentes na RPPN, de forma a complementar suas histórias naturais.

Portanto, o presente estudo visa testar a correlação entre um Índice de Integridade Biótica (IIB) da vegetação, previamente mensurado na RPPN Trápaga (Scarascia et al., 2020) e a distribuição da diversidade de anfíbios anuros, répteis da ordem Squamata, pequenos mamíferos não voadores e artrópodes no espaço geográfico e no tempo. Isto irá contribuir com: (1) o entendimento das causas das variações na estrutura dessas comunidades em escala local na Mata Atlântica e (2) fornecerá subsídios para o manejo de Unidades de Conservação.

OBJETIVOS

  1. Avaliar o efeito da integridade biótica da vegetação sobre a distribuição espacial da fauna na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Trápaga.
  2. Avaliar o efeito de variáveis abióticas como precipitação e temperatura na variação temporal da composição e abundância das comunidades locais.
  3. Fornecer informações básicas sobre a composição e história natural das espécies de pequenos vertebrados terrestres que habitam a RPPN Trápaga.
  4. Produção de material para divulgação científica sobre história natural dos grupos estudados para público não acadêmico.

MATERIAL E MÉTODOS

1. ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo é atualmente classificada como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Esta é uma categoria de área de proteção ambiental, definida por espaços territoriais localizados internamente a propriedades privadas, constituídos por vegetação nativa e legalmente protegidas (Souza et al., 2012). Está situada dentro da Fazenda Elguero, no município de São Miguel Arcanjo, Estado de São Paulo (24°2’42.55″S; 47°58’46.56″O; altitude 650-810 m). A área total da RPPN Trápaga é de aproximadamente 70 hectares inseridos em uma Zona de Amortecimento do Parque Estadual Carlos Botelho (Scarascia, 2018; Figura 1). A vegetação local é do tipo Floresta Ombrófila Densa, com uma pequena parcela da cobertura destinada à plantação de pinheiros (Pinus elliotii) para a extração de resina e outra pequena parcela destinada à fruticultura (Scarascia, 2018). O clima é classificado como Cfa (temperado, sem estiagem e de verão quente), segundo a classificação de Köppen (Peel et al., 2007). A temperatura média varia de 16° a 22°C e a precipitação média anual é de 1.802 mm (Climate-Data.org, 2021).

Figura 1. Localização da RPPN Trápaga no estado de São Paulo e áreas protegidas do entorno: APA Serrado Mar, Parque Estadual Carlos Botelho (PECB), Parque Estadual Intervales (PEI) e Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (PENP).

O espaço que compõe a RPPN Trápaga está dividido em zonas com diferentes Índices de Integridade Biótica (IIB; Figura 2) (Medeiros & Torezan, 2013; Graciano-Silva, 2016; Scarascia, 2018). Tal classificação varia entre “REGULAR” (30 ≤ IIB ≤ 39) ou “BOM” (40 ≤ IIB ≤ 49) e leva em conta 11 variáveis observáveis em campo (cobertura de serapilheira, árvores mortas em pé, cobertura de gramíneas exóticas, outras espécies exóticas, lianas, eco-unidades (variável que leva em conta diversos critérios como o tamanho das clareiras existentes a altura das árvores do dossel superior; Scarascia et al., 2020), epífitas vasculares com exceção de orquídeas, orquídeas, figueiras do gênero Ficus, palmeiras da espécie Euterpe edulis, e peroba rosa, Aspidosperma polyneuron; Medeiros & Torezan, 2013; Scarascia, 2018; Scarascia et al., 2020).

Figura 2. Classificação supervisionada da RPPN Trápaga proposta por Scarascia (2018). A: os marcadores indicam a localização de cada uma das linhas de pitfall trap em localidades com IIB “Bom” (B) e “Ruim” (R); B: divisão da área de estudo em quadrantes de 1 ha e áreas que apresentam IIB “Bom”.

2. TAXAS DE COBERTURA DA VEGETAÇÃO

A taxa de cobertura (m2/quadrante) de cada uma das classes de IIB (“BOM” e “REGULAR”) foi mensurada em cada um dos quadrantes que dividem a RPPN. Esta análise foi realizada utilizando o programa QGIS (QGIS.org, 2021) e a função Intersection da sequinte maneira: (1) foi criado um grid de quadrículas de 1 ha (que compõe os blocos 1 e 2; ver item 3.1.3 adiante), que se sobrepõe à área de estudo. Em seguida um (2) raster vetorizado da região classificada com IIB “Bom” foi utilizado para quantificar a porcentagem de área com este tipo de cobertura em cada quadrícula amostrada (Figura 2).

O tamanho de 1 ha das quadrículas foi escolhido pelas seguintes razões:

  • Limitação no número de pessoas disponíveis para realizar o trabalho de campo. Um único pesquisador estará permanentemente em campo e contará apenas com a ajuda esporádica de outros pesquisadores. Isto também teve influência na escolha do tamanho do transecto (50 m) que é relativamente pequeno e teria representatividade ainda menor em quadrículas maiores.
  • Ao longo deste estudo serão realizados trabalhos paralelos abordando a área de vida da espécie Bothrops jararaca, que de acordo com outros estudos que também abordaram a área de vida de espécies do mesmo gênero, não deve ser maior do que 1 ha (Nogueira et al., 2003; Sasa et al., 2009; Fiorillo et al., 2020b).
  • O tamanho de quadrantes recomendado para o estudo de comunidades de anfíbios (ao menos aqueles que habitam a serrapilheira) é de 8 m2 (Scott et al., 1994) e desta forma o tamanho escolhido para as quadrículas deve incorporar a área de vida de grande parte das espécies da área de estudo.

3. TRABALHO DE CAMPO

Os dados de campo serão coletados continuamente ao longo da estação chuvosa (outubro/2021 a março/2022), quando ocorre o pico de atividade para a maioria das espécies de anfíbios e répteis (ver Hartmann et al., 2009; Fiorillo et al., 2018; 2020a).

3.1. MÉTODOS DE AMOSTRAGEM

3.1.1. Pitfall traps (Greenberg et al.,1994; Cechin & Martins, 2000; Mendes et al., 2015; Fiorillo et al., 2020a): instaladas em diferentes zonas da RPPN (áreas “BOAS” e “REGULARES” de acordo com Scarascia, 2018; Figura 2), totalizando 40 baldes em 10 linhas distribuídas da seguinte forma: cada zona conterá cinco linhas em formato de Y (com 12 m de comprimento em cada braço), distantes 150−200 m entre si (Figura 2). Cada linha em Y conterá quatro baldes de 60 L (um balde a cada 10 m), interligados por uma cerca-guia de aproximadamente 60 cm de altura. Os baldes serão perfurados no fundo para evitar o acúmulo excessivo de água da chuva. Adicionalmente, dentro de cada balde serão deixadas placas de isopor que flutuarão caso os furos não sejam suficientes para escoar da água. A cerca será enterrada a aproximadamente 10 cm abaixo da superfície do solo e permanecerá em posição vertical com o auxílio de estacas de bambu.

A coleta de artrópodes também será realizada com Pitfall traps, onde serão instaladas 5 armadilhas distantes 10 metros de si e adjacentes aos baldes para a coleta de vertebrados em cada uma das linhas amostrais construídas. As armadilhas consistirão em potes plásticos de 500 mL, com 15 cm de diâmetro, enterrados ao nível do solo. (Triplehorn & Johnson., 2015). Tais recipientes serão preenchidos com 250 mL de água com detergente, formando uma solução conservante que quebra a tensão da água e impede a fuga dos invertebrados quando caem nas armadilhas (Goldsmith & Sutherland, 1997; Almeida et al., 2003). As armadilhas serão mantidas em campo durante 48 horas sem nenhuma isca atrativa, para uma coleta generalizada de artrópodes e acondicionados em frascos contendo álcool 70%. Esse procedimento será realizado na estação chuvosa nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2022.

3.1.2. Procura visual e auditiva limitada por tempo (ver Scott & Woodward 1994; Martins & Oliveira, 1998; Fiorillo et al., 2018): consiste no deslocamento a pé, lentamente, à procura de anfíbios e répteis em todos os microambientes visualmente acessíveis. Este método será utilizado internamente aos quadrantes que dividirão a área de estudo (ver item 3.1.3 adiante). O esforço amostral e a taxa de encontro serão medidos em horas-pessoa de procura (Martins & Oliveira, 1998). Dados de comportamento, local de captura e outras informações serão registrados em formulários de campo.

3.1.3. Quadrantes e Transectos (Scott et al., 1994; Foster, 2012b):  a área de estudo será dividida em 53 quadrantes de 1 hectare, contidos em dois blocos de amostragem (1 e 2) (Figura 2). Um destes quadrantes será escolhido aleatoriamente (utilizando a função sample em ambiente R) em cada noite de amostragem, alternando cada um dos blocos. Após a escolha da localidade, a procura visual e auditiva será realizada ao longo de dois transectos de 50 m de comprimento, também escolhidos arbitrariamente (ao chegar ao quadrante o pesquisador irá iniciar o transecto a partir de qualquer ponto) e distantes no mínimo 50 m entre si (Figura 3).

Figura 3. Visualização aproximada de um quadrante (ver Figura 2) e representação esquemática de transectos estabelecidos aleatoriamente.

3.1.4. Encontros ocasionais (Martins & Oliveira, 1998): nos quais serão considerados todos os exemplares obtidos pelos pesquisadores em outras atividades que não pitfall traps e a procura limitada por tempo. Também serão considerados como encontros ocasionais os indivíduos capturados em baldes fechados, ou ao redor das linhas de armadilhas durante sua inspeção.

3.1.5. Observações por habitantes locais: para o registro adicional de serpentes, serão utilizadas observações realizadas por pessoas que residem e/ou trabalham na RPPN Trápaga durante suas atividades cotidianas (Martins & Nogueira, 2012). Os animais observados serão fotografados e, quando possível, será solicitada a presença do pesquisador principal (BFF) ao local para efetuar a captura. Em nenhum momento a morte de animais será estimulada ou solicitada (cf. Martins & Nogueira, 2012).

Cada roedor e marsupial capturado será marcado através de um corte em uma das orelhas. A amostra de tecido será armazenada em álcool etílico para futuras análises genéticas.

O uso de hábitat por anfíbios e répteis será registrado durante as procuras auditivas/visuais realizadas dentro de cada quadrante e encontro ocasional dos indivíduos. Serão descritos seus hábitats (zonas da RPPN) e micro-habitat, por meio das características do substrato em que foram encontrados (aquático, fossorial, criptozoico, terrícola ou arborícola), altura do poleiro (no caso do micro-habitat arborícola) e tipo de solo (no caso do micro-habitat fossorial). Estas informações serão complementadas através de revisão da literatura. Os comportamentos defensivos serão registrados quando os indivíduos forem observados em campo e/ou manipulados. Especificamente para anfíbios, será registrada a atividade reprodutiva;; (ex. número de machos vocalizando, presença de amplexos ou desovas) e o modo reprodutivo (Haddad & Prado, 2005; Haddad et al. 2013).

O local de captura de todos os animais amostrados pelos métodos descritos acima será georreferenciado. Além disso, todos os indivíduos capturados serão medidos (comprimento rostro-anal/cloacal e da cauda e massa). Tendo em vista a importância da coleta de espécimes testemunho para identificação taxonômica e análise de conteúdo gastrointestinal e das gônadas, serão coletados e preservados até 10 exemplares por espécie. Os espécimes serão eutanaziados via injeção intracoelômica de lidocaína, fixados em formaldeído a 10% e preservadas em etanol a 70% (Foster, 2012a; AVMA, 2020).

Os anfíbios e répteis serão depositados na coleção herpetológica do Instituto Butantan, os mamíferos no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e os invertebrados na Coleção Entomológica Didática do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Todas as coletas serão realizadas sob licenças do SISBIO (#79423-3, #73416 e #) para a captura e transporte desses animais.

4. TRABALHO EM LABORATÓRIO

4.1. DIETA DE SERPENTES

Os espécimes coletados serão eutanasiados e dissecados através de incisão na região ventral. Os conteúdos encontrados no tubo digestivo de serpentes serão identificados até o menor nível taxonômico possível, por meio de chaves taxonômicas, guias de identificação, exemplares depositados em coleções científicas (Instituto Butantan e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo) e auxílio de especialistas. Sempre que a presa for proveniente de uma serpente capturada em pitfalls, isto será registrado, dada a possibilidade de a serpente ter ingerido alguma presa que também tenha caído na armadilha e que não faça parte de sua dieta usual (Cechin & Martins, 2000).

4.2. CONDIÇÃO REPRODUTIVA DAS FÊMEAS

Para descrever a condição reprodutiva das fêmeas serão registrados:

4.2.1. Para anuros, será obtido o número total de ovos e folículos ovarianos. O diâmetro de 10 ovos por desova será medido em estereomicroscópio (Hartmann et al., 2010; Borges et al., 2018).

4.2.2. Para serpentes, serão registrados o comprimento do maior folículo ovariano e o número de folículos vitelogênicos (> 5 mm) (ex. Shine, 1980; Pinto et al., 2010), assim como a presença de ovos ou embriões.

4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS ARTRÓPODES

Os espécimes coletados serão levados ao Laboratório de Mirmecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (MirmecoLab – UFJF) e a identificação será efetuada com indivíduos adultos até o menor nível taxonômico possível, em microscópio estereoscópico Leica M80, utilizando-se chaves dicotômicas de Triplehorn & Johnson (2015), Fujihara et al., (2011) e Rafael et al., (2012) para a identificação ao nível de família. Banco de dados específicos para a identificação de gêneros e espécies de cada família identificada serão descritos a posteriori. Além disso, serão realizadas comparações das amostras com exemplares da Coleção de Artrópodes do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, quando necessário. Posteriormente, todos os indivíduos serão catalogados, tombados e incorporados à coleção de artrópodes nessa mesma instituição.

5. ANÁLISES

5.1. Avaliação da eficiência da amostragem

Sabendo-se que a riqueza de espécies tende a ser proporcional ao número de indivíduos capturados, a eficiência de cada um dos métodos padronizados de amostragem (pitfalls e procuras auditivas/visuais), será avaliada através da análise de curvas de rarefação, com 1.000 aleatorizações (Sanders, 1968; Gotelli & Colwell, 2001). Esta análise será realizada utilizando o programa EstimateS v. 8.20 (Colwell et al., 2012).

5.2. Padrões de riqueza de espécies, abundância e dominância

A dominância será calculada dividindo o número de indivíduos da espécie mais abundante pelo número total de indivíduos capturados. Para avaliar visualmente como se distribuem as abundâncias de cada espécie, será construído um diagrama de abundâncias relativas. Em seguida será realizada uma análise de escalonamento multidimensional não-métrico (Non-metric multidimensional scaling, NMDS), utilizando o índice de dissimilaridade de Bray-Curtis (Kruskal, 1964; Minchin, 1987) através da função metaMDS em ambiente R (R Core Team, 2008). Esta análise permitirá a visualização de dados e interpretação das dissimilaridades entre quadrículas, considerando a composição e a abundância de espécies conjuntamente.

5.3. Efeitos da estrutura da vegetação sobre a diversidade taxonômica de espécies.

Para testar a hipótese de que a porcentagem de IIB classificado como “BOM” (variável preditora) afeta a diversidade dos grupos de vertebrados de interesse na dimensão taxonômica (riqueza e abundância de espécies), serão utilizados modelos lineares generalizados (MLG). Dado que as taxas de captura podem variar dependendo do método utilizado (pitfalls e procuras auditivas/visuais) e grupo taxonômico (ver Scott et al., 1994; Foster, 2012b; Fiorillo, 2020), estas análises serão executadas separadamente (ex. anfíbios capturados através de pitfall traps e através de procura auditiva/visual).

Os resíduos dos modelos serão avaliados quanto à autocorrelação espacial, distribuição de erro e sobredispersão. O teste de autocorrelação espacial será realizado utilizando Teste de Moran I (função testSpatialAutocorrelation) sobre a simulação de resíduos gerados através do ajuste ao modelo (função simulateResiduals). A sobredispersão será avaliada segundo os parâmetros de dispersão de cada tipo de distribuição utilizada. Como tanto a riqueza quanto a abundância (número de indivíduos) de espécies constituem dados de contagem, a priori será utilizada distribuição Poisson (Zuur et al., 2009). Em seguida, a adequabilidade (Goodness of fit) dos modelos finais será testada a partir da relação entre os desvios do modelo e seus respectivos graus de liberdade, determinando assim se há sobredispersão (P < 0,05). Para estas análises serão utilizados os pacotes: AICcmodavg (Mazerolle, 2020), DHARMa (Hartig, 2020), epiDisplay (Chongsuvivatwong, 2018), ggplot2 (Wickham, 2016) e lme4 (Bates et al., 2015), em ambiente R (R Core Team, 2008).

5.4. Efeitos efeito de variáveis abióticas sobre a variação temporal da riqueza e abundância das comunidades

Para testar a hipótese de que variáveis abióticas afetam a distribuição temporal dos grupos de vertebrados analisados, serão utilizados Modelos Lineares Generalizados (MLG), a priori, com distribuição de Poisson para avaliar a relação entre a atividade dos indivíduos e fatores climáticos (Fox, 2008). Os dados ambientais serão obtidos no banco de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), da estação meteorológica automática do município de São Miguel Arcanjo. Antes da modelagem, as variáveis ​​preditoras (temperatura mínima, média e máxima mensais, precipitação total mensal e umidade relativa do ar mínima, média e máxima mensal) serão avaliadas quanto à autocorrelação. Em seguida, serão gerados modelos concorrentes para explicar a atividade dos diferentes grupos. Será utilizado Critério de Informação de Akaike corrigido para pequenas amostras (AICc) para selecionar as hipóteses mais parcimoniosas (ΔAICc ≤ 2,0) para explicar a atividade tanto de anuros como répteis da ordem Squamata. Consideramos que uma variável independente causa efeito sobre a variável resposta se o intervalo de confiança de 95% de seu coeficiente de regressão não incluir zero. Para estas análises, serão utilizados os pacotes: AICcmodavg (Mazerolle, 2020), ggplot2 (Wickham, 2016) e lme4 (Bates et al., 2015), em ambiente R (R Core Team, 2008).

RESULTADOS ESPERADOS

O principal resultado esperado é a associação positiva entre oa porcentagem de IIB classificado como “BOM” e a diversidade dos grupos de vertebrados analisados. A estruturação de comunidades, tanto da masto, quanto da herpetofauna, de acordo com a vegetação tem sido demonstrada (Carmignotto, 2004; Dória et al., 2018; Fiorillo, 2020; Pereira-Ribeiro et al., 2020) ou sugerida (Fiorillo et al., 2018; Fiorillo et al., 2020a) por diversos estudos que abordaram escala local. Desta forma, é provável que tal associação exista, uma vez que Índices de Integridade Biótica resumem diversas características da vegetação a uma única variável. Entretanto, resultados secundários podem ser considerados igualmente relevantes. Um trabalho anteriormente realizado na região (Parque Estadual Carlos Botelho, Forlani et al., 2010) e observações preliminares da herpetofauna da própria área de estudo (Fiorillo, 2021) sugerem que essa região apresenta grande riqueza de espécies para a herpetofauna. Isto indica que informações valiosas sobre a história natural de diversas espécies subamostradas da Mata Atlântica têm grande probabilidade de serem registradas.

Pelo fato de todo período de amostragem estar sendo realizado durante a estação chuvosa (outubro a março) e pela área de estudo estar localizada em uma floresta tropical (e, portanto, um ser ambiente relativamente estável), espera-se que as variáveis abióticas não gerarão efeito significativo sobre a distribuição temporal da riqueza de espécies e/ou abundância de anuros ou répteis da ordem Squamata.

Espera-se que o inventário de artrópodes na área de estudo possa auxiliar no conhecimento de táxons específicos na região de estudo, bem como ampliar informações de fauna de invertebrados em áreas de Mata Atlântica, onde, baseados em estudos recentes, espera-se cerca de 160 famílias (Silva et al., 2018; Novato et al., 2019). Ainda, é possível que os artrópodes coletados possam auxiliar na identificação de hábitos e preferência alimentar de vertebrados na região (Michelin et al., 2020). 

Finalmente, este estudo fomentará a compreensão, conservação e manejo dos ecossistemas (Caughley, 1994; Brooks & McLennan, 2002; Dayton, 2003) e usando ferramentas de divulgação científica, tais informações podem até mesmo favorecer maior apreciação pela natureza (ex. Marques et al., 2005; Haddad et al., 2013, Marques et al., 2015; 2017; 2019; Fiorillo, 2021).

REFERÊNCIAS

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FINANCIAMENTO

O presente estudo está associado ao projeto Escalas da Biodiversidade, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e National Science Foundation (NSF).

APOIO

PESQUISADOR PRINCIPAL

Dr. Bruno Ferreto Fiorillo
Herp Trips, Reserva Particular do Patrimônio Natural Trápaga, São Miguel Arcanjo, SP, Brasil.


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PESQUISADORES ASSOCIADOS

Profª Drª Ana Paula Carmignotto
Departamento de Biologia

Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, SP, Brasil.

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BSc. Arthur Diesel Abegg
Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo, SP, Brasil.

Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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MSc. Felipe Osmari Cerezer
Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal, Departamento de Ecologia e Evolução, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.

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Prof. Dr. Felipe Gobbi Grazziotin
Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo, SP, Brasil.

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Dr. Gabriel Paganini Faggioni
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul, Corumbá, MS, Brasil.

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Dra. Luciana Vicente-Silva
Bolsista DTI – Projeto Rede Pantanal de Pesquisa: Desenvolvimento de instrumentos para compreensão, gestão e prevenção de incêndios catastróficos no Bioma Pantanal. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil.

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M.Sc. Rafael Carlos Benetti Paredero


Instituto Butantan, Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo, SP, Brasil.

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Prof. Dr. Renato Christensen Nali
Laboratório de Ecologia Evolutiva de Anfíbios (LECEAN), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.

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MSc. Rebeca Stella Khouri
Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV), Instituto Butantan, São Paulo, SP, Brasil.

Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Dr. Thiago Ferreira Rodrigues
Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aplicada, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz’ (ESALQ), Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, Brasil.

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MSc. Thiago da Silva novato
Programa de Pós-Graduação em Etnobiologia e Conservação da Natureza, Laboratório de Sociobiodiversidade, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, RE, Brasil.

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