Bothrops jararaca

Texto e imagem por Bruno F. Fiorillo

O que se conhece por Bothrops jararaca hoje, trata-se na verdade de um complexo de espécies endêmicas do Brasil (leia também “A história da Jararaca”). Estas são serpentes de grande porte (atingem mais de um metro de comprimento) com hábito semi-arborícola.

Embora sejam comumente associadas a ambientes perturbados (como plantações e até mesmo residências rurais), Jararacas são, primariamente, habitantes florestais. Atualmente as populações da espécie distribuem-se continuamente através da Mata Atlântica, do Sul ao Nordeste do Brasil (sendo que nesta última região, o que é chamado de Bothrops jararaca provavelmente se trata de outra espécie).

O tipo de dentição das espécies conhecidas popularmente como jararacas (gênero Bothrops), bem como de outras espécies de sua família (Viperidae), é solenóglifa, o que quer dizer que dentes maiores do que os demais estão localizados na parte da frente da maxila e além de apresentarem um mecanismo de inoculação de veneno, são móveis. As presas das jararacas podem ser projetadas para frente da boca conforme a necessidade (por exemplo, durante uma investida, ou durante a deglutição de alimento, quando as presas são movimentadas articuladamente, empurrando o alimento para ser engolido).

Outra característica desta e de outras espécies do mesmo gênero (e muitas outras da família Viperidae), é a presença de fosseta loreal. As fossetas loreais são pequenas aberturas localizadas pouco abaixo das narinas, onde estão localizados órgãos termoreceptores. As informações geradas por estes receptores são enviadas ao cérebro, onde, de forma integrada com informações visuais, provavelmente funcionam como um “dispositivo de visão infravermelha” bastante eficiente para localizar animais endotérmicos (animais que autorregulam a temperatura corpórea, como mamíferos e aves).

A alimentação das jararacas é composta principalmente por roedores e anfíbios, mas ocasionalmente inclui aves, lagartos e centopeias. No decorrer de seu desenvolvimento, a espécie muda gradualmente a composição de sua dieta, incluindo mais frequentemente presas ectotérmicas (organismos que não regulam a temperatura corporal, estando sujeitos à temperatura do ambiente, tais como anfíbios, invertebrados ou répteis) quando jovem, e endotérmicas (organismos que regulam a temperatura corporal, tais como aves e mamíferos) quando adulta.

O ciclo reprodutivo de B. jararaca é sazonal, ou seja, concentrado em uma dada época do ano. A produção de folículos vitelogênicos (vitelogênese) pelas fêmeas ocorre principalmente entre o outono e inverno, a ovulação provavelmente é mais frequente no início da primavera, as cópulas ocorrem no início da estação seca (geralmente entre abril e setembro) e fêmeas grávidas são mais encontradas entre novembro a março. Ao contrário de grande parte das serpentes, as jararacas e muitas outras espécies da mesma família não botam ovos (não são ovíparas), ao invés disso, elas parem seus filhotes (são vivíparas). O número de recém-nascidos por fêmea varia de 3 a 36 por gestação, que pode durar de 152 a 239 dias.

Ao serem manuseadas, ou mesmo pela presença de uma possível ameaça (ex. seres humanos), estas serpentes podem desferir ataques ou vibrar a ponta da cauda, debatendo-a contra o chão, emitindo um “aviso sonoro” que lembra ao chocalho das cascavéis. Menos comumente, elas também podem achatar o corpo dorso-ventralmente ou executar descarga cloacal, também como forma de defesa. Estes comportamentos defensivos podem variar quanto ao tipo de predadores aos quais se destinam: o achatamento do corpo supostamente serviria para defesa contra predadores visuais como as aves de rapina e a descarga cloacal seria uma alternativa contra predadores que utilizam sinais químicos para localizar suas presas (e.g. mamíferos).

Embora as jararacas sejam comuns, isto não quer dizer que sejam vistas com frequência, além disso, seu disfarce críptico faz com que passem desapercebidas facilmente. Na RPPN Trápaga as jararacas podem ser observadas na margem de corpos d’água, como poças ou lagoas onde há anuros vocalizando.

Glossário

  1. Anuros: ordem de classificação taxonômica dos anfíbios que inclui apenas aqueles que não apresentam cauda na fase adulta (e.g. sapos, pererecas).
  2. Complexo de espécies: conjunto de espécies estreitamente relacionadas, e frequentemente muito similares morfologicamente
  3. Críptico: camuflado, escondido, imperceptível.
  4. Folículo vitelogênico: óvulos maduros
  5. Órgão termoreceptor: receptores sensoriais que captam estímulos térmicos do meio.

Revisão do texto por

Dr.ª Liliana Piatti. E-mail: lilianapiatti@gmail.com CL
Coleção Zoológica da UFMS, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brazil.

Referências

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