Proceratophrys boiei

Texto e imagens por Bruno F. Fiorillo

Assim como outras espécies do gênero, o sapo-de-chifre (Proceratophrys boiei), apresenta apêndices palpebrais longos que lembram chifres e o tornam inegavelmente peculiar.

A espécie é comum em certos locais da Mata Atlântica e é frequentemente associada a ambientes florestais, onde geralmente permanece escondida sob a serapilheira (folhas em decomposição sobre o solo) ou em pequenas cavidades do solo. Embora esta ainda seja uma questão pouco explorada, sua fisiologia provavelmente a permite tolerar os invernos acentuadamente frios e secos de partes específicas do bioma. Esta característica possivelmente contribuiu para que a espécie persistisse, em grande parte de sua distribuição, mesmo durante o Último Máximo Glacial (a cerca de 21 mil anos), sem se restringir à “refúgios climáticos” – diferente, portanto, do que aconteceu com algumas outras espécies de anfíbios naquela época.

Apesar de notável, pouco é conhecido a respeito da história natural desta espécie. Estudos indicam que sua atividade é predominantemente noturna e que pode apresentar modos reprodutivos 1 ou 2. Tal classificação quer dizer que seus ovos podem ser depositados em água parada (modo 1) ou em água corrente (modo 2). Seja qual for estratégia reprodutiva utilizada, seus girinos são sempre exotróficos, que ao contrário dos endotróficos (nutridos pelo conteúdo vitelínico do próprio ovo), se alimentam de algas e detritos.

Quando adultos, sua alimentação é baseada em pequenos artrópodes, como aranhas, crustáceos e insetos, e a proporção de consumo de cada um destes itens tende a variar de acordo com o local onde a população se encontra. Em uma região de cafezal do estado do Espírito Santo, por exemplo, Teixeira & Coutinho (2002) encontraram predominância de baratas, grilos e aranhas, enquanto Giaretta et al. (1998) encontraram grilos como itens mais frequentes na região de Atibaia (estado de São Paulo).

Devido à sua coloração, o sapo-de-chifre é quase imperceptível (críptica) em meio ao chão da floresta. Desta forma, o simples fato de permanecer imóvel aparenta ser o suficiente para que ele passe desapercebido pela maioria dos predadores visuais. No entanto, quando incomodada, a espécie pode aderir a uma postura de “pernas rígidas” (esticadas para trás), se tornando ainda mais similar às folhas mortas acumuladas da serapilheira e, consequentemente, contribuindo com sua camuflagem.

Na RPPN Trápaga, temos o privilégio de observá-la facilmente em qualquer umas das trilhas ou áreas adjacentes à floresta. Vamos juntos, descobrir os mistérios da história natural desta e muitas outras espécies.

Glossário

  1. Apêndice palpebral: estrutura anatômica localizada na região palpebral.
  2. Fisiologia: estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos.
  3. Modo reprodutivo: os anfíbios anuros apresentam a maior diversidade de modos reprodutivos entre os vertebrados terrestres. É uma classificação feita com base no local de deposição dos ovos e desenvolvimento dos girinos (veja a classificação completa em Haddad & Prado, 2005). 
  4. Último máximo glacial (UMG):  último período durante o qual geleiras atingiram sua maior extensão no globo terrestre.
  5. Conteúdo vitelínico: reserva de nutrientes do ovo.

Revisão do texto por

B.Sc. Arthur Diesel Abegg. E-mail: arthur_abegg@hotmail.com. CL
Instituto Butantan, Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, São Paulo, SP, Brazil.
Dr. Gabriel Paganini Fagioni. E-mail: gabriel.faggioni@ifms.edu.br. CL
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul, Corumbá, Mato Grosso do Sul, Brazil.

Referências

Amaro RC, Rodrigues MT, Yonenaga-Yassuda Y, Carnaval AC (2012): Demographic processes in the montane Atlantic rainforest: Molecular and cytogenetic evidence from the endemic frog Proceratophrys boiei. Molecular Phylogenetics and Evolution 62: 880–888. [Link]

Costa PN, Silva-Soares T & Bernstein LB (1993): Defensive behaviour of Proceratophrys boiei (Wied-Neuwied, 1824) (Amphibia, Anura, Cycloramphidae). Herpetology Notes 2: 227−229. [Link]

Giaretta A & Sazima I (1993): Nova espécie de Proceratophrys Mir. Rib. Do sul de Mina Gerais, Brasil (Amphibia, Anura, Leptodactylidae). Revista Brasileira de Zoologia 53: 13−19.

Giaretta A, Araújo MS, Medeiros HF, Facure KG (1998): Food habits and ontogeneticdiet shifts of the litter dwelling frog Proceratophrys boiei (Wied). Revista Brasileira de Zoologia 15: 385−388. [Link]

Haddad & Prado (2005): Reproductive modes in frogs and their unexpected diversity in the Atlantic Forest of Brazil. Bioscience 55: 207−217. [Link]

Haddad CF, Toledo LF, Prado CP, Loebmann D, Gasparini JL & Sazima I (2013): Guia dos anfíbios da Mata Atlântica: diversidade e biologia. Anolis Books. [Link]

Izecksohn E & Peixoto OL (1981): Nova espécie de Proceratophrys da hiléia bahiana, Brasil (Amphibia, Anura, Leptodactylidae). Revista Brasileira de Biologia 41: 19−24.

Prado GM & Pombal Jr. JP (2008): Espécies de Proceratophrys Miranda-Ribeiro, 1920 com apêndices palpebrais (Anura; Cycloramphidae). Arquivos de Zoologia 39: 1−85. [Link]

Teixeira RL & Coutinho ES (2002): Hábito alimentar de Proceratophrys boiei (Wied) (Amphibia, Anura, Leptodactylidae) em Santa Teresa, Espírito Santo, sudeste do Brasil. Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão 14: 13−20. [Link]