Texto e imagens por Bruno F. Fiorillo

Indivíduo jovem de Pseudoboa nigra amelânico, encontrado por Fiorillo et al (2023)

A coloração das serpentes é advinda de células especializadas na produção de pigmentos chamadas cromatóforos. Os diversos pigmentos (ex. Eumelanina, para coloração escura; Feomelanina, para coloração avermelhada ou amarelada) localizados entre a derme e epiderme e suas respectivas combinações supostamente favoreceriam a camuflagem, mimetismo (ex. falsas-corais com pigmentação avermelhada e aposemática) e até mesmo a termorregulação (serpentes de coloração escura, como no caso das mussuranas).

Existem diversos tipos de anomalias quando se trata de coloração no reino animal e assim como ocorre em mamíferos, serpentes também podem expressar colorações que fogem ao padrão de suas respectivas espécies. Em um tour da Herp Trips, eu tive a sorte de encontrar um desses indivíduos, uma mussurana da espécie Pseudoboa nigra. Esta serpente normalmente apresenta dorso de vermelho brilhante a completamente preto que escurece gradualmente com a idade. No entanto, o indivíduo que encontramos era completamente avermelhado e bem mais pálido do que o normal. Precipitadamente concluímos que esse seria um indivíduo albino.

Na verdade, o termo albinismo é apenas uma entre as diferentes variações de hipopigmentação:

  • Albinismo: total falta de pigmentação (os indivíduos não apresentam cromatóforos) tanto na pele como nos olhos.
  • Amelanismo: reduzida expressão de melanina.
  • Aneritrismo: reduzida expressão de pigmentação vermelha.
  • Leucismo: indivíduos completamente brancos de olhos pigmentados.
  • Piebaldismo: presença de manchas de pigmentação.
  • Axantismo e hipoxantismo: reduzida expressão de Xanthis, responsável pela pigmentação amarela.

O indivíduo que encontramos (P. nigra) era então amelânico e não albino, pois apresentava pigmentação avermelhada tanto em seu copo como em seus olhos. Ele foi encontrado se movendo durante a noite, às margens de uma fitofisionomia florestal do Cerrado (cerradão). Os trabalhos que documentaram a história natural de P. nigra afirmam que a espécie apresenta atividade predominantemente noturna e que é capaz de utilizar tanto habitats abertos quanto florestais. Alguns autores sugerem que espécies noturnas podem apresentar hipopigmentação pois o período de atividade contribuiria para diminuir os riscos de predação. Adicionalmente, hábitats florestais supostamente contribuiriam para uma menor exposição a predadores visuais (ex. aves) do que os ambientes abertos típicos do Cerrado.

No entanto, apesar desse tipo de inferência ser tentadora, as relações entre coloração e atributos ecológicos das serpentes (ex. uso de hábitat e microhabitat, período de atividade) ainda são controversas. As análises de Borteiro et al. (2021), que avaliaram a presença de anomalias cromáticas e o uso de microhábitat (se fossoriais ou não fossoriais) e atividade (se diurna ou noturna) demonstraram não ser significativas (P > 0,05), mas os autores reforçam que tais resultados poderiam ser alterados com a aquisição de novos dados.

Glossário

Aposematismo: fenômeno cujo qual animais que apresentam atributos perigosos ou desagradáveis, utilizam de sua coloração ou de outros sinais, para alertar seus predadores.

Fitofisionomia: conjunto de aspectos da vegetação que definem uma dada paisagem.

Revisão do texto por

M.Sc Arthur Diesel Abegg. E-mail: arthur_abegg@hotmail.com. CL
Projeto Dacnis, Ubatuba, SP, Brazil.

Referências

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