Colobodactylus taunayi

Texto e imagem por Bruno F. Fiorillo

O pequeno lagarto de hábitos secretivos, que se esconde em meio à serrapilheira, apresenta cauda desproporcionalmente grande e uma coloração propícia a seu modo de vida semifossorial. Seu dorso com tons de marrom esverdeado, que vai escurecendo até se tornar quase completamente negro a partir da cauda, e flancos escuros, mesclam-se à coloração das folhas e galhos caídos do chão da floresta, proporcionando uma maior camuflagem enquanto forrageia à procura de pequenos invertebrados.

Ainda hoje, pouco se sabe a respeito da história evolutiva deste gênero e outros lagartos aparentados. Tanto C. taunayi, como outras espécies da mesma família (Gymnophitalmidae), apresentam braços e pernas extremamente curtos e, de fato, são parentes próximos de lagartos cujos membros foram perdidos ao longo da evolução (ex. gênero Bachia). No entanto, diferente de espécies de lagartos apodiformes (sem membros), o lagartinho de cauda longa movimenta-se, majoritariamente, trotando e não através de ondulação lateral do corpo (como fariam outras espécies da família, como Colobosaura modesta, Micrablepharus atticolus).

A distribuição de C. taunayi é restrita ao bioma Mata Atlântica, ocorrendo de São Paulo à Santa Catarina, tanto em áreas extremamente preservadas como fragmentadas. No entanto, uma pesquisa realizada na região dos municípios de Tapiraí e Piedade, sugerem que a espécie seja mais abundante nas áreas com maior fragmentação. Segundo a autora do trabalho, nestas áreas, o sub-bosque é mais denso e a serrapilheira é menos profunda. No entanto, tal conclusão poderia representar um equívoco relacionado à maior detectabilidade da espécie em áreas mais abertas, cujo chão é coberto com uma fina camada de serrapilheira. Ou seja, os lagartos estariam mais visíveis, passando a ser detectados mais facilmente e, consequentemente, aparentando ser mais abundantes. Mesmo através de métodos que independem da percepção do coletor (ex. armadilhas de pitfall), o espaçamento de recursos (alimento ou mesmo parceiros) em ambientes cuja camada de serrapilheira é mais delgada poderia fazer com que os indivíduos se deslocassem mais, o que os tornaria mais suceptíveis a serem capturados. Dessa forma para que conclusões mais robustas pudessem ser tomadas, mais dados precisariam ser coletados e análises estatísticas mais sofisticadas precisariam ser realizadas.

Uma curiosidade interessante sobre C. taunayi é que, assim como a famosa Jararaca ilhôa (Bothrops insularis), este lagarto também tem uma população estabelecida na Ilha da Queimada Grande, situada a poucos quilômetros (entre 30 e 40) da costa de São Paulo. Tal colonização deve ter ocorrido entre 12 e 10 mil anos atrás (durante o final do Pleistoceno), quando o nível do mar era cerca de 60 m mais baixo (leia mais sobre este assunto em “A história da Jararaca”).

Até momento, um único indivíduo foi observado na RPPN Trápaga, em uma área relativamente aberta, inclusive com árvores exóticas para a região (Araucaria angustifolia). Esta área está atualmente classificada como “Regular” segundo critérios de classificação do Índice de Integridade Biótica da vegetação (saiba mais lendo nosso projeto de pesquisa “Estrutura das comunidades de anfíbios e répteis da RPPN Trápaga”). Este indivíduo se escondia em meio à uma mistura de raízes, solo e serrapilheira, saindo em disparada logo após ser descoberto. Ao ser manuseado o indivíduo contorceu o corpo, girando-o na tentativa de escapar.

Glossário

  1. Semifossorial: que apresenta um modo de vida parcialmente subterrâneo.
  2. Forrageio: busca e a exploração de recursos alimentares.

Revisão do texto por

M.Sc. Rafael Carlos Benetti Paredero. Email: rafaparedero@gmail.com CL
Instituto Butantan, Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo, SP, Brasil.

Referências

Condez TH (2008): Efeitos da fragmentação da Floresta na diversidade e abundância de anfíbios anuros e lagartos de serrapilheira em uma paisagem do Planalto Atlântico de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. 190 p. [Link]

Forlani MC, Bernardo PH, Haddad CBF, Zaher H. Herpetofauna of the Carlos Botelho State Park, São Paulo State, Brazil. Biota Neotropica 10(3): 265−309. [Link]

Höfling E, Renous S, Curcio FF, Eterovic A, Santos-Filho P de S (2012): Effects of Surface Roughness on the Locomotion of a Long-Tailed Lizard, Colobodactylus taunayi Amaral, 1933 (Gymnophthalmidae: Heterodactylini). International Journal of Zoology 2012(3): DOI: 10.1155/2012/627470. [Link]

Marques OAV, Martins M, Develey PF, Macarrão A, Sazima I (2012): The golden lancehead Bothrops insularis (Serpentes: Viperidae) relies on two seasonally plentiful bird species visiting its island habitat. Journal of Natural History 46: 13–14. [Link]

Pellegrino KCM, Rodrigues MT, Yonenaga-Yassuda Y, Sites Jr. and JW (2001): A molecular perspective on the evolution of microteiid lizards (Squamata, Gymnophthalmidae), and a new classification for the family,” Biological Journal of the Linnean Society 74(3): 315–338. [Link]

Renous S, Hofling E, Gasc JP (1999): On the rhythmical coupling of the axial and appendicular systems in small terrestrial lizards 393 (Sauria: Gymnophthalmidae). Zool-Anal Complex Sy 102: 31–49.

Rodrigues MT, Pellegrino KCM, Dixo M, Verdade VK, Pavan D, Argolo AJS, Sites-Jr JW (2007): A new genus of microteiid lizard from the Atlantic forests of State of Bahia, Brazil, with a new generic name for Colobosaura mentalis, and a discussion of relationships among the Heterodactylini (Squamata, Gymnophthalmidae). American Museum Novitates 3565: 1–27 [Link]

Vanzolini PE, Ramos AMM (1977): A new species of Colobodactylus, with notes on the distribution of a group of stranded microteiid lizards (Sauria, Teiidae). Papéis Avulsos Zoologia 31: 123–144.