Dendropsophus elegans
Texto e imagem por Bruno F. Fiorillo

Um dos mais elegantes membros da herpetofauna da RPPN, a perereca de colete não é tão seleta quanto à ocupação de seus ambientes. Esta é uma espécie pequena (entre 24 e 27 mm), amplamente distribuída ao longo da Mata Atlântica que, apesar de arborícola, é usualmente encontrada em áreas perturbadas abertas, como pastos ou pequenas plantações (onde os indivíduos ficam empoleirados sobre a vegetação herbácea de áreas alagadas).
Como muitas outras espécies da família Hylidae, esta apresenta atividade predominantemente noturna e seus ovos são depositados em água parada, onde seus girinos exotróficos de desenvolvem (modo reprodutivo 1). Diferentemente dos girinos endotróficos (nutridos pelo conteúdo vitelínico do próprio ovo), os girinos da perereca de colete alimentam-se de algas e detritos.
Os locais de oviposição geralmente estão distantes dos territórios defendidos pelos machos, assim, machos e fêmeas têm de migrar até o local onde a reprodução acontece, favorecendo os indivíduos que chegam mais cedo. A proporção de machos e fêmeas no local da reprodução é enviesada (número muito maior de machos do que fêmeas), o que resulta em um ambiente extremamente competitivo para os machos. Além disso, machos maiores são mais prováveis de se acasalar do que os menores, sendo assim, machos pequenos que chegam mais tarde ao sítio reprodutivo são os menos prováveis de conseguirem se reproduzir. Fêmeas maiores e mais pesadas também são favorecidas pela seleção natural, pois depositam mais ovos do que as fêmeas menores.
A presença e grande número de indivíduos de pererecas de colete em ambientes perturbados, até inóspitos, demonstra sua capacidade de ocupação. Como exemplo disso, uma população desta espécie foi encontrada em um inselberg no município de Itarana, estado do Espírito Santo. Inselbergs são aflorações rochosas com vegetação esparsa, onde a água escoa rapidamente, a umidade se mantém baixa e as temperaturas são altas. A presença de um único corpo d’água artificial foi suficiente para permitir a colonização desta e algumas outras espécies generalistas.
Assim como diversas outras espécies endêmicas e com ampla distribuição na Mata Atlântica, Dendropsophus elegans apresenta forte estruturação genética (leia também A história da jararaca e sobre o Cágado-pescoço-de-cobra). Isto quer dizer que suas populações apresentam diferenciação genética de acordo com a distribuição. Na região Nordeste, por exemplo, a população de D. elegans é geneticamente diferente da população das regiões Sul e Sudeste. Existem algumas hipóteses do que pode ter levado a tais divergências, entre elas:
- O sistema de rios que corta a Mata Atlântica contribuiu para o isolamento das populações. Dado que anfíbios anuros naturalmente tem baixa capacidade de dispersão, os rios representariam grandes barreiras ao fluxo gênico.
- Mudanças climáticas que ocorreram entre 6 e 21 mil anos atrás. Estas teriam causado fragmentação de “refúgios florestais” (que proveriam hábitat adequados para D. elegans e diversas outras espécies; leia também sobre o trajeto evolutivo do sapo de chifre), intercalados por áreas abertas de clima frio e seco.
Apesar das diferenças genéticas entre populações de D. elegans, certas características se mantiveram conservadas (não se alteraram ou se alteraram pouco) ao longo de sua evolução. Um estudo que comparou a vocalização das populações de D. elegans (das regiões Sul, Central e Norte da Mata Atlântica), e também a de outras espécies do gênero Dendropsophus, revelou que não há diferenças significativas dentro da espécie, apenas entre D. elegans e as demais abordadas no estudo (D. bipunctatus, D. ebraccatus, D. leucophyllatus e D. triangulum).
Os autores do trabalho acima sugerem que a resiliência da vocalização de D. elegans, provavelmente, está relacionada a diferenças nas taxas evolutivas de características acústicas (mais lentas) e genéticas (mais rápidas) dos anuros. Além disso, outros fatores podem influenciar na estrutura da vocalização, como ruídos e características físicas do ambiente, e o próprio comportamento dos indivíduos, levando a ajustes locais dirigidos por plasticidade fenotípica e não pela composição genética.
Na RPPN Trápaga, pererecas de colete podem ser encontradas em áreas abertas, adjacentes às plantações de pinheiros da Fazenda Elguero durante a estação chuvosa (outubro a março). Estas áreas, geralmente, contêm grandes lagoas artificiais, poças temporárias e vegetação arbustiva que cresce em solo alagado.
Glossário
- Modo reprodutivo: os anfíbios anuros apresentam a maior diversidade de modos reprodutivos entre os vertebrados terrestres. É uma classificação feita com base no local de deposição dos ovos e desenvolvimento dos girinos (veja a classificação completa em Haddad & Prado, 2005).
- Plasticidade fenotípica: capacidade dos organismos de alterar algumas de suas características (ex. fisiologia, morfologia) de acordo com as condições do ambiente.
- Taxa evolutiva: mudanças que ocorrem ao longo do tempo em uma determinada linhagem.
Revisão do texto por
Prof.ª Dr.ª Cynthia Peralta de Almeida Prado CL
Lab. de Ecologia e Comportamento de Anuros, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Jaboticabal, SP, Brasil.
Referências
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